CRÍTICA AO POSITIVISMO
O Positivismo é um tipo de cientificismo, ou seja, uma perspectiva que valoriza a ciência acima de tudo. Uma conseqüência dessa atitude é achar que mito, filosofia e ciência são incompatíveis e que é preciso “abandonar” os dois primeiros em função da terceira. Enquanto tendência filosófica, o Positivismo desenvolveu-se na Europa, principalmente, na segunda metade do séc. XIX, num contexto que é chamado de “segunda revolução industrial”. O sistema econômico-financeiro favoreceu de modo inédito a indústria controlada pela burguesia ascendente, principalmente na Inglaterra e na França. O sucesso econômico desses países, com o apoio dos governos, sustentou o chamado “colonialismo imperialista” europeu, que empreendeu a busca de novos territórios para a obtenção de matéria prima e a conquista de novos mercados. Esse processo contou de modo decisivo com as recentes descobertas científicas e suas aplicações técnicas na indústria, que suscitaram grande “progresso” material. Assim, o Positivismo deve ser visto como um amplo movimento cultural e filosófico, baseado na supervalorização da ciência e da técnica e num suposto “progresso” social. Seus principais pensadores são Comte, na França, Bentham, Stuart Mill e Spencer, na Inglaterra.
Auguste Comte, filósofo francês (1789-1857), publicou seu Curso de filosofia positiva em 1830/42 e o Discurso sobre o espírito positivo, em 1844, como introdução a um curso de astronomia popular dado gratuitamente aos trabalhadores, numa sala da prefeitura de Paris. No Discurso, ele fala da “lei dos três estados’ (o teológico, o metafísico e o positivo), que seriam estágios de compreensão, explicação e representação do mundo pelos quais passaria toda a humanidade, mas também cada indivíduo, em particular.
O estado teológico-fictício seria o mais primitivo, no qual explicamos o mundo através de seres ou agentes imaginários, supostamente dotados de vontade. Assim como a criança, os seres humanos reconhecem nos seres naturais a encarnação de espíritos com poderes mágicos. Seja no politeísmo, seja no monoteísmo, eles divinizam certas forças naturais com o objetivo de explicar os fenômenos; essas forças são vistas, então, como sobrenaturais. Mas a busca das causas, mesmo que provoque a criação de ilusões, é o impulso básico para o progresso da inteligência humana.
No estado metafísico-abstrato, conservamos o desejo de descobrir as causas, próprio do estado teológico, e antecipamos a necessidade de argumentação racional, própria do estado positivo. Os seres sobrenaturais são substituídos por abstrações ou entidades, como “a essência” ou “a matéria”, por exemplo. Com um espírito crítico, a atitude metafísica mais dissolve do que organiza, o que explicaria, por exemplo, o desaparecimento da cultura religiosa da Idade Média, com a destruição dos valores teológicos, que culminaria, no séc. XVIII, com o Iluminismo, ou seja, o triunfo das luzes da Razão.
O estado positivo-científico abre mão das causas absolutas (que explicariam “por quê” as coisas acontecem) e busca as leis parciais (que descreveriam “como” elas acontecem). A noção de lei deve substituir a noção de causa: podemos explicar a atração da matéria pela lei da gravitação universal, sem ter que dizer o que é a gravitação enquanto causa. As leis (que podem ser estáticas ou dinâmicas) caracterizam o próprio espírito positivo, que garante a ordem do mundo e da sociedade (dimensão estática) e seu progresso (dimensão dinâmica). O estado positivo é o termo fixo e definitivo, em que o espírito humano descansa e encontra a ciência. Tal como as sociedades, também os indivíduos evoluem segundo essa lei dos três estados, culminando com o reconhecimento do valor maior das ciências experimentais.
As principais ciências seriam a matemática, a astronomia, a física, a química, a biologia e a sociologia. A psicologia faz parte da biologia, o psiquismo não sendo nada mais do que um conjunto de funções cerebrais. A sociedade é um organismo cujas partes são heterogêneas, mas solidárias, com uma especialização precisa de funções, pensadas organicamente. A sociedade segue uma evolução de acordo com normas biológicas. A ordem se expressa na estática e o progresso constitui a dinâmica social. São expressões mais ou menos equivalentes, segundo Comte: “política positiva”, “filosofia social”, “teoria da evolução social”, “física social” e “sociologia”. Nessa perspectiva, algumas ideias tornam-se problemáticas ou perdem o sentido, tais como a noções de direito, do sujeito como individualidade, as ideias de liberdade de consciência e de soberania popular.
Os defensores do cientificismo pensam que as ciências naturais são a ciência por excelência. Elas conhecem os fatos através da experiência dos sentidos. Um tipo de pensamento típico do séc. XIX, o Positivismo tem como método não procurar as causas, não indagar pela essência, mas procurar as leis e as relações entre fenômenos, para conhecer os mecanismos do mundo. Em certo sentido, então, a ciência é uma sistematização do bom senso, segundo o qual seríamos espectadores de fenômenos exteriores, que se dão à nossa percepção sensível; fenômenos que não podemos modificar, mas a cujas leis devemos nos submeter. Não se reconhece a especificidade das ciências sociais por oposição às ciências naturais, mas busca-se o máximo de universalidade, na explicação dos fatos e suas relações. Podemos dizer que o Positivismo seria um “dogmatismo físico” e um “ceticismo metafísico”: porque, por um lado, ele afirma a objetividade do mundo físico, acima de tudo, estendendo suas regras para a sociedade, sem ressalvas, e, por outro lado, não se pronuncia sobre a natureza de objetos não perceptíveis pelas sensações.
Dica - “Dogmatismo” e “dogmático” vem do termo grego dógma, que quer dizer opinião. Atualmente, usamos esses termos para designar a atitude de alguém que aceita opiniões e adota valores, incondicionalmente, sem questionar. “Ceticismo” e “cético” vem do termo grego sképsis, que significa dúvida. Usamos esses termos para indicar a atitude oposta à do dogmático, ou seja, de alguém que duvida de tudo e que pensa que não é possível conhecer a realidade de verdade.
O termo “positivo”, na perspectiva positivista, designa e valoriza o real contra o ilusório, o útil contra o inútil, a segurança e a certeza contra a insegurança, o preciso por oposição ao vago, o relativo contra o absoluto. As opções metodológicas revelam-se, na verdade, opções por certos valores que guiam a atitude dos indivíduos. A corrente intelectual é ampliada a tal ponto e de tal modo que Comte acaba inventando uma “religião positivista”, puramente natural, racional, científica e exclusivamente humana; sem revelação, sem dimensão sobrenatural, baseada no conhecimento do mundo e no aperfeiçoamento moral da humanidade. A humanidade é o grande ser, ao qual deve servir todo ser humano.
Apesar de contrário à teologia e à metafísica (consideradas ilusórias), e de ser crítico do catolicismo (considerado anti-social), o filósofo francês acaba por tomar a Igreja Católica como modelo, com seus santos padroeiros, anjos da guarda e almas amigas. Um lugar especial é reservado à sua musa inspiradora, Clotilde de Vaux, considerada como equivalente à Virgem-mãe...
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